[Perguntas & Respostas] Essas objeções ao argumento cosmológico kalam são boas?

Imagem relacionada

Dr. Craig,

Não sei como expressar o quanto seu trabalho tem me abençoado. O senhor é uma grande inspiração para mim, e o considero um belo exemplo do que deve ser um acadêmico cristão.

Ando ouvindo uma série de aulas intituladas “The Big Questions of Philosophy” [As grandes questões da filosofia], publicadas por The Great Courses [Os grandes cursos], em que o professor David K. Johnson, do King’s College, Londres, tenta responder filosoficamente a algumas das maiores questões da vida. Por causa da popularidade crescente dessas aulas (principalmente agora que elas ficaram tão em conta pelo Audible), pensei que talvez fosse útil ouvir suas ideias. O professor Johnson demonstra profunda familiaridade com a apologética cristã. Tanto é assim que as aulas poderiam quase ser intituladas “Um guia incrédulo à apologética cristã”. Talvez seja um pouco de exagero, mas não tanto assim. Ele destaca Richard Swinburne, Alvin Plantinga e o senhor. Espero que um dia o senhor tenha tempo para produzir um podcast desmascarando o que ele afirma em geral, mas por ora gostaria de perguntar algo em que ele o menciona por nome especificamente. Aqui vai uma citação direta do resumo da apostila do curso, preparada pelo professor Johnson:

 

“Versões modernas do argumento kalam, encontradas nas obras de apologistas cristãos como William Lane Craig, apresentam-se mais ou menos assim:

○ Coisas que começam a existir precisam de uma explicação. Por exemplo, pense nos objetos ao seu redor agora; eles começaram a existir, e sua existência tem uma explicação.

○ Mas algo que não começou a existir não teria, nem precisa, de uma explicação. Se ele sempre existiu, então sempre existiu.

○ O universo começou a existir; Deus não.

○ Assim, o universo precisa de uma explicação, mas Deus não”.

 

 

Ele usa isso como uma formulação operacional para o kalam e diz (na aula 12) que o argumento está “repleto de problemas”. Ele indica que, para reforçar a primeira premissa, objetos cotidianos são usados para demonstrar sua validade. [Suponho que ele esteja pensando como o senhor às vezes usa coisas comuns como exemplos de coisas que vêm à existência.] No entanto, ele sugere que nossa experiência de objetos cotidianos somente nos pode dizer como objetos cotidianos são rearranjados. Ele usa o exemplo de criar uma réplica da Estrela da Morte de Guerra nas Estrelas a partir de peças de Lego. Simplesmente se rearranjou matéria existente, e não se criou algo a partir do nada. A matéria usada para criar a Estrela da Morte existe desde o começo do universo. Ele escreve no guia do curso: “… objetos cotidianos são muito diferentes do universo, principalmente no modo como vêm à existência. Quando se explica a existência de um objeto desses, simplesmente se explica como a matéria que o constitui veio a ser rearranjada daquele modo. Obviamente, o universo é a matéria que constitui objetos, o que significa que o argumento agora comete petição de princípio — ele argumenta circularmente”.

Ele indica que, para o argumento funcionar e não haver equívoco quanto à palavra “existência”, precisaríamos mudar a primeira premissa para que diga:

“A matéria que constitui objetos precisa de uma explicação”.

Ele diz: “Se isso é verdade, o universo não precisa de explicação. Mas, obviamente, o universo é a matéria que constitui objetos. Significa que o argumento, ao mudar a primeira premissa, agora comete petição de princípio; ele argumenta circularmente. Para pensar que o argumento é válido, seria preciso já supor que sua conclusão é verdadeira. O argumento conclui que a existência de matéria precisa de uma explicação porque a existência de matéria precisa de uma explicação”.

Ele indica que isso, por si só, já basta para colocar o kalam de escanteio! Continua e sugere que, porque partículas virtuais podem vir à existência incausadas, talvez nosso universo surgiu de algo como uma flutuação de espuma quântica. Citando o guia do curso do professor Johnson, “o argumento kalam sempre é falho porque a espuma quântica é eterna. Ela nunca começou a existir; sempre foi e sempre será. Assim, a espuma não precisa de nenhuma explicação. Como a espuma quântica é muito bem compreendida e Deus é uma entidade inexplicada com poderes inexplicáveis, a hipótese de Deus não se dá bem diante dela”.

Enfim, ele conclui que pode bem ser que a existência do universo simplesmente é um fato bruto, mas todas as questões filosóficas devem em dado momento tocar no fundamento de tudo. É melhor, porém, aceitar a existência do universo como bruta do que aceitar Deus como explicação, porque, fazendo isso, estaremos simplesmente explicando o inexplicado com o explicável.

Agradeceria muito por suas ideias sobre essa crítica de seu argumento kalam.

Stephen

 

DR. CRAIG RESPONDE


Uau! São objeções realmente tão ruins que eu espero que você tenha deturpado o professor Johnson, Stephen, do contrário a reputação dele ficará manchada! O único motivo por que escolhi sua pergunta se deve à influência que as objeções dele aparentemente têm nos Reino Unido, segundo seu relato.

Pois bem, o primeiro passo ao criticar um argumento é afirmá-lo com precisão. Do contrário, ataca-se um espantalho. Como se sabe muito bem, o argumento conforme o formulei é o seguinte:

1. Tudo que começa a existir tem uma causa.

Ou, então,

1’. Se o universo começou a existir, o universo tem uma causa.

2. O universo começou a existir.

3. Logo, o universo tem uma causa.

 

Por que, então, o professor Johnson reformula meu argumento, em vez de citá-lo da forma que eu o apresento? Minha formulação é nítida e hermética do ponto de vista lógico. A versão que ele oferece é uma atoleiro ilógico. (Parece até pressupor que Deus existe!) Por que ele deturpa o argumento de modo tão atroz? Sua versão parece ser uma mistura do argumento cosmológico kalam com o argumento cosmológico leibniziano. Leibniz busca uma explicação para a existência do universo; o argumento kalam busca uma causa para o começo de sua existência. A diferença é significativa, como veremos, quando se trata das críticas de Johnson.

Considere, então, a premissa (1) ou (1’). A lição da experiência cotidiana é que as coisas não surgem do nada; antes, têm causas que as trazem à existência. A primeira crítica de Johnson a essa verdade óbvia é estranha:

objetos cotidianos são muito diferentes do universo, principalmente no modo como vêm à existência. Quando se explica a existência de um objeto desses, simplesmente se explica como a matéria que o constitui veio a ser rearranjada daquele modo. Obviamente, o universo é a matéria que constitui objetos, o que significa que o argumento agora comete petição de princípio — ele argumenta circularmente.

Aqui ele admite que, diferentemente de coisas na nossa experiência cotidiana, o universo não teve uma causa material! Ele não veio à existência por um rearranjo da matéria. Obviamente, é neste ponto que insisto. Se o universo teve um começo, não pode ter tido uma causa material. Johnson não nega que objetos cotidianos que começaram a existir sempre têm causas; ele o admite. Eles não surgem do nada. Se quisermos evitar o absurdo de dizer que o universo veio a existir do nada, ele deve ter tido uma causa, e essa causa não pode ter sido material. O universo tem uma causa eficiente (produtiva), e não uma causa material.

Pense nisto: como é possível que o universo venha a existir se lhe falta tanto uma causa material quanto uma eficiente? Parece um duplo absurdo.

Especialmente bizarra é a acusação de que o argumento agora comete petição de princípio. O que Johnson quer dizer? Um argumento (ou pessoa) comete petição de princípio quando a única razão para afirmar a conclusão é supor a própria conclusão. Como, então, o argumento para (1) ou (1’) a partir da experiência cotidiana supõe (1) ou (1’)? A experiência cotidiana mostra que as coisas que começam a existir têm causas. Portanto, a experiência cotidiana apoia (1) ou (1’). Não vejo aí nenhuma circularidade.

A sugestão de que devemos reformular (1) ou (1’) para

(1*) A matéria que constitui objetos precisa de uma explicação

é simplesmente inepta e perdeu toda relação com o argumento cosmológico kalam, que se baseia no fato das coisas começarem a existir. Conforme indiquei acima, o que Johnson fez foi misturar o argumento kalam com o argumento leibniziano, que, de fato, afirma (1*). Esta premissa, porém, não entra em momento algum no argumento cosmológico kalam e, por isso, a acusação feita por Johnson de petição de princípio cai por terra.

Se considerarmos que “a matéria que constitui objetos” = “o universo” e “explicação” = “causa”, então (1*) é a conclusão do argumento cosmológico kalam, mas não é uma premissa, e, portanto, não há aí nenhum raciocínio circular. É somente o argumento do espantalho de Johnson que comete petição de princípio. A reformulação correta do meu argumento segundo a sugestão de Johnson seria substituir (2) por

(2*) A matéria que constitui objetos começou a existir.

No caso, não se comete nenhuma petição de princípio.

Johnson toma um rumo bem diferente, aparentemente incoerente com a crítica acima, ao apelar para a “espuma quântica” como uma causa material eterna a partir da qual nosso universo emergiu. Isso nos leva à premissa (2) e ao fundamento filosófico e científico para o fato do universo ter um começo absoluto. A afirmação de Johnson de que essa era quântica hipotética seja bem compreendida não passa de encenação, como fica evidente na infinidade de modelos cosmológicos para os estágios iniciais do universo. Não há nenhum indício de que uma era quântica dessas seja eterna no passado, conforme afirma Johnson. Para uma discussão de diversos modelos quânticos, veja a contribuição de James Sinclair em “The Kalam Cosmological Argument”, em The Blackwell Companion to Natural Theology.

Por último, quanto a aceitar a existência do universo como fato bruto (inexplicado), vemos aí mais uma vez as armadilhas de misturar o argumento cosmológico kalam com o argumento cosmológico leibniziano. Não-teístas tipicamente respondem a Leibniz dizendo que o universo não tem explicação para sua existência. De fato, essa réplica realmente sustenta uma das premissas do argumento de Leibniz conforme o formulo (Veja minha discussão do argumento em Apologética contemporânea ou Em guarda para avaliar se é mesmo uma boa réplica a Leibniz.) Enquanto réplica ao argumento cosmológico kalam, é pouco convincente. Isso porque, embora possamos dar alguma credibilidade à alegação do fato bruto se o universo é eterno no passado, perde toda a credibilidade uma vez que descobrimos que o universo começou a existir. Naquele caso, seríamos forçados a dizer que, por nenhuma razão, o universo surgiu a partir de absolutamente nada, o que é pior do que mágica.

É preocupante pensar que esse é o tipo de refutação que circula em muitos ambientes hoje em dia. Pelo menos, os leigos devem ficar muito encorajados em seu uso do argumento cosmológico kalam e outros argumentos teístas diante da fraqueza dessas críticas.

– William Lane Craig

 


Retirado de: https://pt.reasonablefaith.org/artigos/pergunta-da-semana/objecoes-realmente-ruins-ao-argumento-cosmologico-emkalam-em/

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.